Chrysallis
Metamorfose
Rosa Nunes desenvolve o presente projecto há cerca de 2 anos. Com ele, insensivelmente, esta criadora rompe a fronteira da fotografia e atravessa o domínio da escultura e das artes performativas, para voltar a entrar com passo firme na fotografia contemporânea.
Construiu vestidos rígidos, carapaças onde a quitina foi substituída por gesso; invólucros vazios, onde outrora habitaram corpos femininos jovens, perfeitos, radiosos.
Depois, esses vestidos foram encontrados pela fotógrafa à beira do esquecimento; resíduos materiais de um tempo de dolorosa metamorfose, em que criaturas silenciosas e secretas libertaram, em duelo com a morte, o corpo das armaduras, reaprenderam a amplitude dos movimentos e o adejar de asas.
As novas borboletas caminharam para o futuro e daquele momento mágico de libertação restam esses estranhos vestidos na paisagem.
Alguns caminham como fantasmas, ou títeres, movidos ainda pela força interior que antes os animou; outros, delicada e timidamente, por lugares onde a Mulher chorou a partida do amantee desejou vogar sobre o Atlântico; por veredas de lagos e jardins onde podiam ver-se em espelhos descomprometidos e discretos; por tantos lugares imprevisíveis…
No bulício da cidade, onde nada se detém, esses estranhos vestidos adquirem uma presença marcante, obrigando o transeunte comum a acercar-se de corpos ausentes, a perscrutar-lhes as entranhas, de onde se ouvem gemidos, balbuciar de nomes, fonte de uma canção de Mahler, Das Lied Von Der Erde, ou simplesmente o cântico glorioso de uma Mãe de Brecht.
Apesar da estética inerente a este projecto fazer apelo a um certo lirismo e a linguagem poética, a sua intervenção de critica social no que ao género concerne é cristalina e não menos eficaz que, por exemplo, o trabalho fotográfico, ostensivamente irónico, de uma artista consagrada como Cindy Sherman, muito bem representado em “Untitled (Vivienne Westwood)”, de 1993, onde a autora fotografa uma noiva modelo, com as cuecas no toucado. Há nesta obra uma certa memória do feminismo dos anos 60 do século XX; no trabalho de Rosa Nunes não há tradição. Talvez nele se recupere a ideia de fractura com o instituído, também perseguida no teatro do absurdo.
Finalmente, uma nota obrigatória para a nova valência que esta mostra comporta em relação ao trabalho anterior da autora: Vídeo, articulado com as impressões fotográficas, e que afinal nos revela o corpo que em boa hora se libertou do casulo, o mesmo é dizer da sujeição, em contexto social que, hipocritamente, advoga o fim da discriminação de género.
Joaquina Soares (Directora do MAEDS)
Construiu vestidos rígidos, carapaças onde a quitina foi substituída por gesso; invólucros vazios, onde outrora habitaram corpos femininos jovens, perfeitos, radiosos.
Depois, esses vestidos foram encontrados pela fotógrafa à beira do esquecimento; resíduos materiais de um tempo de dolorosa metamorfose, em que criaturas silenciosas e secretas libertaram, em duelo com a morte, o corpo das armaduras, reaprenderam a amplitude dos movimentos e o adejar de asas.
As novas borboletas caminharam para o futuro e daquele momento mágico de libertação restam esses estranhos vestidos na paisagem.
Alguns caminham como fantasmas, ou títeres, movidos ainda pela força interior que antes os animou; outros, delicada e timidamente, por lugares onde a Mulher chorou a partida do amantee desejou vogar sobre o Atlântico; por veredas de lagos e jardins onde podiam ver-se em espelhos descomprometidos e discretos; por tantos lugares imprevisíveis…
No bulício da cidade, onde nada se detém, esses estranhos vestidos adquirem uma presença marcante, obrigando o transeunte comum a acercar-se de corpos ausentes, a perscrutar-lhes as entranhas, de onde se ouvem gemidos, balbuciar de nomes, fonte de uma canção de Mahler, Das Lied Von Der Erde, ou simplesmente o cântico glorioso de uma Mãe de Brecht.
Apesar da estética inerente a este projecto fazer apelo a um certo lirismo e a linguagem poética, a sua intervenção de critica social no que ao género concerne é cristalina e não menos eficaz que, por exemplo, o trabalho fotográfico, ostensivamente irónico, de uma artista consagrada como Cindy Sherman, muito bem representado em “Untitled (Vivienne Westwood)”, de 1993, onde a autora fotografa uma noiva modelo, com as cuecas no toucado. Há nesta obra uma certa memória do feminismo dos anos 60 do século XX; no trabalho de Rosa Nunes não há tradição. Talvez nele se recupere a ideia de fractura com o instituído, também perseguida no teatro do absurdo.
Finalmente, uma nota obrigatória para a nova valência que esta mostra comporta em relação ao trabalho anterior da autora: Vídeo, articulado com as impressões fotográficas, e que afinal nos revela o corpo que em boa hora se libertou do casulo, o mesmo é dizer da sujeição, em contexto social que, hipocritamente, advoga o fim da discriminação de género.
Joaquina Soares (Directora do MAEDS)